Como a Cultura da Experimentação Impulsiona Inovação e Crescimento em Organizações.
Em setembro de 2000, fiz parte de uma pequena delegação da Unicard, empresa de cartões de crédito do Unibanco, que desembarcava na sede da Capital One, não sabendo que estava prestes a ter uma visão que moldaria fundamentalmente o nosso futuro. A visita tinha como objetivo conhecer a implantação da uma nova plataforma de crédito, com decisões online real time e uso de dados externos em tempo real, mas o que nos surpreendeu foi a sua cultura organizacional, baseada na colaboração e experimentação.
A Capital One havia sido fundada em 1994, apenas 6 anos antes de nossa visita, por Richard Fairbank e Nigel Morris, e vinha se destacando no mercado de cartões de crédito com uma abordagem baseada em análise de dados, tornando-se um sinônimo de inovação e crescimento acelerado por uma cultura de experimentação sem precedentes. Em 1999 já contava com mais de 200 profissionais dedicados à análise de dados e experimentações e havia realizado mais de 10.000 experimentos, abordando cada aspecto da oferta e experiência do cliente.
Este espírito inovador era evidente nas palavras de Richard Fairbank, cofundador e CEO da Capital One: "A experimentação é a alma da inovação." E a Capital One tinha números para respaldar essa filosofia: com dezenas de milhões de clientes e um portfólio de produtos que se expandia continuamente, a empresa havia se destacado não apenas por sua envergadura, mas por sua capacidade de se manter à frente da curva em um setor em rápida transformação.
A visita foi um despertar para nós na Unicard, que acelerou o movimento para incorporar uma cultura baseada em dados e experimentação. Este movimento envolveu muito mais do que o investimento, necessário, em sua plataforma de data warehouse e novos softwares de análises sofisticadas de data mining e redes neurais, mais sobretudo um investimento significativo em capital humano, com a expansão da equipe de modelagem estatística (o que chamamos hoje de equipe de Dados & Analytics) de 10 para mais de 100 profissionais, além da capacitação de mais de 200 colaboradores das áreas de produtos, operações e negócios em análise de dados e técnicas de experimentação, incluindo a certificação Six Sigma Black Belt. Até um Programa de Trainee, específico para Modelagem de Dados, foi criado. E tudo isto rendeu frutos muito rapidamente.
Em 2004, a Unicard foi eleita, num abrangente estudo realizado pela consultoria Booz Allen, como a referência brasileira em "Smart Customization", e seria classificada no primeiro decil do mercado norte-americano. Esse reconhecimento não apenas validou nossa abordagem inovadora, mas também reforçou que estávamos preparados para crescer de maneira sustentada, o que efetivamente aconteceu nos 5 anos subsequentes.
No final daquele ano, a Unicard acelerou essa jornada, realizando centenas de testes e experimentos coordenados pelo Laboratório de Testes, criado em 2002, desafiando as políticas, estratégias e features de produtos existentes, sendo responsável por aprimorar as réguas de relacionamento, do ciclo de vida do cliente às abordagens de cobrança, do planejamento da operação de atendimento aos clientes às estratégias de aumento de satisfação, dos novos programas de fidelidade às features de produtos inéditas no mercado, como prazo extra para compras, taxas diferenciadas para crédito pessoal até o lançamento do primeiro cartão Black do mercado.
O resultado foi espetacular: ao final de 2008, a Unicard havia dobrado seu market share e quadruplicado seu lucro líquido. Esses avanços foram o resultado direto dessa nova postura da empresa em relação à experimentação e a implantação de uma metodologia sólida para realizar as mudanças e sustentar resultados extraordinários no longo prazo.
A Capital One continua sendo um case de estudo, tendo expandido suas fronteiras de atuação para além do negócio de cartões de crédito e se mantido como líder em inovação financeira. A Unicard, depois da fusão entre Itaú e Unibanco em 2008, passou a integrar a Itaucard, líder no mercado brasileiro e umas das maiores empresas de cartões do mundo. Ambas as histórias são um testemunho do poder transformador de abraçar uma cultura que valoriza o risco calculado e a aprendizagem contínua. Passadas mais de duas décadas, este DNA de experimentação e inovação continua sendo uma estratégia para organizações-líderes em todo o mundo, como Netflix, Google, Booking e Amazon. Como disse Peter Drucker: "A melhor maneira de prever o futuro é construí-lo".
A cultura da experimentação é universal, possibilitando organizações de todos os setores e tamanhos a embarcar em uma jornada rumo à inovação e ao crescimento. Ela fornece uma estrutura, método e filosofias que incentivam a ousadia para testar novas ideias, a sabedoria para aprender com os erros e a flexibilidade para se adaptar rapidamente, forjando organizações que prosperam em um ambiente em constante mudança, transformando desafios em oportunidades e pavimentando o caminho para um futuro resiliente e inovador.
Para finalizar, vou ousar atualizar o verso “é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro” do brilhante cantor e compositor maranhanse Zeca Baleiro, da canção “Minha Casa” de 2000, introduzindo uma pitada de Fernando Pessoa em seu poema “Navegar é Preciso” de 1914, com a frase que dá o título a este artigo: Experimentar o Futuro é Preciso!
Comments