Negacionismo Organizacional de Dados
- Leonardo Andrade
- 31 de out. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de nov. de 2023
Dando um "Blackout" nos Dados: O Click que a Kodak Perdeu.

O termo “negacionismo” ficou muito popular nos últimos anos, e vou empregá-lo neste artigo para retratar um fenômeno bem comum em organizações que utilizam – ou querem começar utilizar – dados para medir os impactos das ações de suas equipes. A história da Kodak, que dominou o mundo da fotografia por quase um século, serve como um exemplo emblemático.
Na década de 1970, enquanto a Kodak se consagrava como líder no mercado de fotografia, o surgimento da primeira câmera digital representava uma revolução silenciosa. Embora a Kodak tenha sido pioneira ao inventar essa tecnologia em 1975, a empresa hesitou em abraçá-la plenamente. Naquela época, várias indicações apontavam para uma mudança de paradigma: a queda gradual no custo de componentes eletrônicos, o aumento da qualidade de imagens digitais e a conveniência da fotografia sem filme.
Entretanto, ao invés de se adaptar a essa nova realidade, a Kodak manteve seu foco e investimento em filmes fotográficos, acreditando que seu domínio no setor a manteria segura. O seu negacionismo de dados disponíveis, com sua decisão de ignorar os sinais claros de uma era digital emergente e a relutância em inovar com base nesses dados foram cruciais para o declínio da empresa nos anos seguintes. Assim, a Kodak subestimou a velocidade e o impacto da revolução digital, resultando em oportunidades perdidas e, eventualmente, em sua queda no mercado que uma vez dominou.
Quase todos nós temos uma tendência de querer agradar e atender as expectativas de quem está próximo de nós. Desde cedo, isso é aprendido e vira um comportamento quase instintivo. Assim, apresenta-se o desafio: como mostrar para a liderança e pares que tenho em mãos dados que conflitam com suas expectativas, muitas vezes a respeito de projetos que não “deram certo” ou “fracassaram”?
Nesse momento, o negacionismo pode entrar em ação, amparado pelo medo e orgulho. Isso pode levar à ocultação ou deturpação de dados para salvaguardar reputações. A organização não aprende com o “fracasso”, impedindo a conscientização da realidade. Este "fracasso" carrega um insumo potencial valioso: a aprendizagem, o motor da inovação e criatividade.
Startups estão inerentemente imersas em ambientes incertos e voláteis, o que as torna mestres na arte de "pivotar" em busca do Product Market Fit (PMF), momento em que o produto satisfaz efetivamente uma necessidade do mercado. Essa busca incansável pelo PMF destaca a importância de se adaptar e reorientar estratégias baseando-se em experimentação contínua e análises aprofundadas de dados. Esta mentalidade ágil e adaptativa, centrada em dados e experimentação, não é exclusiva das startups; é uma abordagem que pode, e deve, ser assimilada por organizações tradicionais, especialmente aquelas que buscam inovação e relevância em mercados em constante evolução.
E qual é o papel da cultura no negacionismo de dados? Se a cultura promove a transparência e aceitação do "fracasso", um ambiente de aprendizado pode prosperar. Caso contrário, a tendência é repetir o negacionismo. A trajetória da Kodak destaca o preço de ignorar os dados. A empresa, que outrora foi pioneira e líder em fotografia, encontrou-se à beira da falência porque não reconheceu a revolução digital a tempo.
Para evitar tais armadilhas, as organizações, assim como a Kodak deveria ter feito, devem cultivar uma cultura onde haja segurança psicológica para expor vulnerabilidades. Assim, cada um pode compartilhar os aprendizados de seu trabalho, impulsionando a inovação e a capacidade de lidar com desafios.
Em um próximo artigo, discutirei os níveis de consciência abordados por Frederic Laloux em "Reinventando as Organizações", oferecendo uma perspectiva sobre como as empresas podem evoluir suas culturas abraçando a experimentação e o uso de dados.
Muito legal. Se não me engano, é o que o Daniel Kanneman chama de "armadilha dos custos afundados" ou algo assim.