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Foto do escritorCarlos Formigari

Procura-se um Culpado!

Atualizado: 21 de nov. de 2023

Como Superar esse Vírus Mental e Desbloquear a Experimentação nas Organizações.



Uma das maiores barreiras para o uso efetivo de dados nas organizações, possibilitando um entendimento profundo dos problemas, uma análise rigorosa de possíveis soluções e uma tomada de decisão que maximiza as chances de sucesso, é a persistência de padrões mentais arraigados. Estes padrões, categorizados como Vieses, Instintos e Heurísticas — representados pela sigla HIV —, mesmo sem intenção de criar analogias insensíveis, nos remetem, de maneira quase automática, ao impactante e temido vírus que marcou os anos 80 e 90.


Assim, torna-se crítica a necessidade de superar tais padrões de pensamento, pois, assim como um vírus, eles podem se infiltrar e comprometer a saúde estratégica de uma organização. É imperativo que os líderes estejam cientes e preparados para neutralizar os efeitos dessas inclinações cognitivas, assegurando um caminho mais iluminado, a partir dos dados, para a inovação e a busca do crescimento sustentado.


Estes padrões, que passarei a chamar a partir de agora de "vírus mentais”, têm sido discutidos com profundidade por psicólogos e pesquisadores, incluindo o Prêmio Nobel, Daniel Kahneman, em seu livro "Thinking, Fast and Slow", e por estudiosos como o médico e estatístico Hans Rosling, no best-seller "Factfulness". Ambos os autores destacam como essas distorções cognitivas frequentemente afetam nossa percepção e moldam nossas decisões em um mundo repleto de informação.


Em meio à tempestade de informações, muitos se veem navegando por águas turbulentas, tentando não ficar atolados nos pântanos da inação. O mar revolto da tecnologia nos lança uma enxurrada constante de dados, mas como utilizá-los efetivamente é um desafio que transcende algoritmos ou softwares. De fato, estes vírus mentais agem em nosso próprio software biológico, conduzindo-nos muitas vezes por caminhos tortuosos.


Existem dezenas de vírus mentais, como o Viés da Confirmação (favorecimento de informações que confirmam crenças), a Heurística da Disponibilidade (basear decisões em informações facilmente lembradas), o Excesso de Confiança (superestimação das próprias habilidades ou conhecimento), entre outros. Para exemplificar o quão presentes eles estão em nossa forma de pensar e agir, vamos discutir com mais detalhes o Instinto de Culpar, aquela tendência de atribuir erros ou resultados ruins a outros, muito presente em nosso cotidiano e particularmente frequente nas organizações, inibindo dramaticamente a cultura de experimentação e, por consequência, a inovação.


O Instinto de Culpar nas Organizações


O Instinto de Culpar pode ser observado de várias formas nas organizações e tem origens profundas em nossa evolução. Historicamente, em contextos primitivos, identificar rapidamente uma ameaça ou erro e atribuir a responsabilidade a um indivíduo ou grupo servia como mecanismo de defesa e proteção para a comunidade. No entanto, no sofisticado ambiente corporativo atual, essa tendência de apontar culpados de forma precipitada pode prejudicar a coesão da equipe, minar a confiança e impedir uma análise sistêmica e construtiva dos problemas, tornando-se assim contraproducente.


Nas organizações, o Instinto de Culpar se manifesta em diversos cenários, desde a busca por responsáveis após declínios repentinos em vendas, até o dedo acusador apontado para uma única pessoa ou equipe quando um projeto interdisciplinar não alcança os resultados esperados. Erros de comunicação interna, desalinhamentos estratégicos, insatisfação de clientes e até mesmo mudanças inesperadas no mercado podem provocar esse instinto. Além disso, momentos de reestruturação organizacional ou de implementação de novas tecnologias, que naturalmente trazem desafios e insegurança, frequentemente são palco para o surgimento do "caça às bruxas".


Esse comportamento cria um ambiente tóxico onde os colaboradores têm medo de assumir responsabilidades, expressar novas ideias ou admitir erros. A inovação é suprimida, pois os colaboradores estão mais preocupados em salvar a própria pele do que em experimentar novas abordagens ou soluções. Dessa forma, um ciclo prejudicial de medo e desconfiança é perpetuado, limitando o potencial das equipes e da organização como um todo.


Organizações verdadeiramente prósperas reconhecem que a busca implacável por um culpado não conduz ao crescimento. Ao invés disso, elas valorizam a reflexão sistêmica, a experimentação, o aprendizado contínuo e a colaboração. Quando os colaboradores sentem que podem arriscar, experimentar e falhar de maneira controlada e sem represálias, eles são encorajados a pensar fora da caixa, a desafiar o status quo e a colaborar mais estreitamente com colegas de diferentes áreas ou especialidades. Este tipo de ambiente não apenas desbloqueia a criatividade e a experimentação, mas também promove um sentimento de pertencimento e propósito, levando a resultados notáveis e, frequentemente, à superação de expectativas.



Vacinas para Combater o Instinto de Culpar


Para combater esse vírus mental, as organizações devem considerar as seguintes vacinas e tratamentos:

  1. Adotar a Visão Sistêmica: Entender a organização como um sistema interconectado, considerando além de processos internos e equipes interdependentes, os fatores externos, como regulações, concorrentes, mudanças no comportamento dos clientes e tendências de mercado. Este olhar abrangente permite uma compreensão holística de como as decisões afetam e são afetadas pelo contexto mais amplo.

  2. Promover a Responsabilidade Compartilhada: Ao invés de encontrar um bode expiatório quando as coisas não estão funcionando, é essencial que as organizações cultivem uma atmosfera onde as equipes não apenas compartilham a responsabilidade pelos contratempos, mas também celebram juntas os triunfos. Este ambiente colaborativo fomenta a coesão, a confiança e a resiliência, fazendo com que os membros da equipe se sintam mais apoiados e comprometidos com o sucesso coletivo.

  3. Encorajar o Feedback Apreciativo: Criar um ambiente onde a comunicação aberta seja a norma e não a exceção é crucial. Isso implica não apenas em aceitar críticas construtivas, mas também em valorizá-las como uma ferramenta vital para o crescimento e aprimoramento contínuo. Ao encorajar um feedback apreciativo, as organizações garantem que seus membros se sintam ouvidos e valorizados, fortalecendo assim a cultura organizacional.

  4. Investir no Desenvolvimento da Liderança: Mais do que apenas gerir equipes, os líderes de hoje devem ser facilitadores, mentores e defensores da inovação. Para isso, é imperativo que recebam treinamento contínuo, não apenas em habilidades técnicas, mas também em competências emocionais e interrelacionais. Ao capacitá-los para reconhecer e superar seus próprios vírus mentais, as organizações asseguram que seus líderes estejam aptos a guiar suas equipes em direção a um futuro mais inovador e resiliente.


No livro "Empowered", Marty Cagan, um dos maiores especialistas em inovação e desenvolvimento de produtos, em conjunto com Chris Jones, enfatizam a importância da colaboração entre as equipes de produto, design, engenharia e outros stakeholders durante o processo de desenvolvimento de produtos. Eles defendem uma abordagem colaborativa e iterativa, argumentando que a melhor maneira de criar produtos excepcionais é garantindo que todos os envolvidos estejam alinhados, engajados e tenham um entendimento claro dos objetivos e necessidades dos usuários. Através dessa colaboração, as equipes podem descobrir soluções inovadoras e criar produtos que realmente atendam às necessidades e desejos dos clientes.


Como discutido por Frederic Laloux, em "Reinventing Organizations", organizações com estágio de desenvolvimento mais elevado são menos propensas a ceder ao instinto de culpar e mais inclinadas a cultivar ambientes que incentivam o aprendizado contínuo. Afinal, quando os colaboradores sentem que não serão automaticamente punidos ou ameaçados por falhas ou erros, eles são mais propensos a assumir riscos calculados, explorar novas ideias e colaborar de maneira mais aberta com colegas de diferentes áreas ou especialidades. Essa abertura, por sua vez, pode desbloquear novos níveis de criatividade e impulsionar a busca por resultados extraordinários.


No mundo volátil e dinâmico de hoje, a capacidade de adaptar-se rapidamente a mudanças de ambientes é vital. Investir na experimentação e na construção de um robusto sistema, que além de uma metodologia defina também ferramentas, plataformas e infraestrutura que facilitem a coleta, análise e interpretação de dados, é chave para o sucesso dessa capacidade.

As hipóteses e predições geradas pelos times a partir de insights da análise dos dados, devem ser testadas de forma contínua e controlada, garantindo que os experimentos sejam realizados em um ambiente que mimetize as condições reais o mais próximo possível. Ao fazer isso, os erros serão vistos como oportunidades de aprendizado e crescimento. Esta abordagem, quando implementada corretamente, acelera a inovação, reduz riscos associados a grandes mudanças e promove uma cultura onde o aprendizado coletivo é valorizado e cultivado.


Reconhecendo que a procura por um culpado é mais que tentadora, é instintiva, o desenvolvimento da nossa capacidade de pausar, refletir e agir a partir de fatos e dados, abrindo-se a possibilidade de testar novas abordagens, hipóteses e predições, torna-se não apenas uma habilidade desejável, mas uma necessidade vital. As organizações que verdadeiramente reconhecem isso estão fomentando um ambiente onde a experimentação floresce, e onde os objetivos não são apenas alcançados, mas frequentemente superados.



Referências Bibliográficas

Kahneman, D. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.

Rosling, H., Rosling, O., & Rönnlund, A. R. Factfulness: Ten Reasons We're Wrong About the World – and Why Things Are Better Than You Think. New York: Flatiron Books, 2018.

Cagan, M., Jones, C. Empowered: Ordinary People, Extraordinary Products. Pacific Grove: SVPG Press, 2020.

Laloux, F. Reinventing Organizations: A Guide to Creating Organizations Inspired by the Next Stage of Human Consciousness. Brussels: Nelson Parker, 2014.

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12 dic 2023

Grande Rodriguer, cai como uma luva também para o setor jurídico!! Abraço!!

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